Por que suas fotos dos anos 2000 podem estar perdidas para sempre — e como preservar as atuais
Segundo estimativas recentes, calcula-se que cerca de 5,3 bilhões de fotografias digitais sejam tiradas todos os dias no mundo Getty Images via BBC No meu aniv...
Segundo estimativas recentes, calcula-se que cerca de 5,3 bilhões de fotografias digitais sejam tiradas todos os dias no mundo Getty Images via BBC No meu aniversário de 40 anos, pedi aos meus amigos e familiares um único presente: fotos minhas do início dos meus 20 anos. Minha própria coleção de imagens dessa época — aproximadamente entre 2005 e 2010 — é terrivelmente pequena. Existe um vazio entre os meus álbuns de fotos impressos da época da faculdade e minha pasta do Dropbox (serviço de armazenamento em nuvem) com registros dos meus primeiros anos como mãe. Tudo o que consegui encontrar daquela época foi um punhado de fotos de baixa resolução, em que apareço em um bar fazendo algo estranho com as mãos. E o resto? Ficou para trás por causa de um computador quebrado, contas de e-mail e redes sociais inativas e um mar de pequenos cartões de memória e pendrives perdidos no caos de várias mudanças internacionais. É como se minhas lembranças não passassem de um sonho. Descobri que não sou a única. No início dos anos 2000, o mundo passou por uma transição repentina e drástica da fotografia analógica para a digital, mas levou um tempo para encontrar um armazenamento fácil e confiável para todos aqueles novos arquivos. 📱 Baixe o app do g1 para ver notícias em tempo real e de graça Como não perder fotos e vídeos para sempre? Guia indica onde guardar arquivos 'Mil vezes melhor que celular': por que as câmeras Cyber-shot estão saindo da gaveta Hoje em dia, seu smartphone envia cópias de segurança das fotos para a nuvem assim que elas são tiradas. Muitas imagens capturadas durante a primeira geração de câmeras digitais não tiveram a mesma sorte. Conforme as pessoas trocavam de aparelhos e os serviços digitais surgiam e desapareciam, milhões de fotos se perderam no caminho. Há um buraco negro no registro fotográfico que atravessa a sociedade. Quem tinha uma câmera digital naquela época provavelmente perdeu boa parte das imagens quando deixou de usá-la. Mesmo hoje em dia, os arquivos digitais são muito menos permanentes do que parecem. Mas, se você tomar as medidas certas, ainda é possível proteger suas fotos atuais do mesmo esquecimento. Global 8000: como é o jato executivo mais rápido do mundo Quarto privativo, cama e TV de 32": como é o avião que fará voo mais longo do mundo 'Vejo você em 4 anos': a despedida de adolescentes às redes após proibição na Austrália Neste ano, comemora-se o 50º aniversário da fotografia digital. A primeira câmera digital era um equipamento volumoso e pouco prático, que mais parecia uma "torradeira com uma lente", como explicou seu inventor, Steve Sasson, à BBC. Décadas se passaram até que as câmeras digitais se tornassem um produto de consumo viável, mas, no início dos anos 2000, praticamente todos os meus conhecidos tinham uma. Tiramos milhares de fotos e as compartilhamos em álbuns online com nomes como "Terça à Noite!" ou "Viagem à Nova York — parte 3". Mas será que alguém do meu círculo teria essas imagens 20 anos depois? Quando perguntei, descobri que pouquíssimos as guardaram. Todos enfrentavam os mesmos problemas que eu. Como podia haver tão pouco material de um período tão repleto de fotos? Ao observar nossa relação com as fotografias, o intervalo entre 2005 e 2010 se revela como um microcosmo da Era da Informação. É uma vida inteira de inovação, rupturas e acesso condensado em apenas cinco anos da cronologia da história humana. A revolução digital O ano de 2005 foi um bom momento para quem usava câmeras digitais. Naquele ano, o avanço da tecnologia digital derrubou as vendas de câmeras analógicas, segundo dados da Associação de Produtos de Câmera e Imagem (Cipa, na sigla em inglês). A concorrência acirrada reduziu o preço das câmeras digitais compactas básicas a ponto de torná-las compras por impulso. A qualidade dos equipamentos também melhorou rapidamente, dando a alguns consumidores uma desculpa para atualizar suas câmeras compactas uma ou até duas vezes por ano. Pense nisso: durante um século, a fotografia pessoal foi um processo lento e deliberado. Tirar fotos custava dinheiro. Cada rolo de filme rendia um número limitado de fotos. E se você quisesse ver suas fotos, tinha que gastar tempo revelando o filme ou pagar um laboratório para fazer o trabalho, e depois repetir todo o processo se quisesse cópias impressas. No entanto, a partir de 2005, todas essas barreiras ruíram num piscar de olhos. Logo, os consumidores estavam produzindo milhões de fotos digitais por ano. Mas o que parecia uma época de abundância fotográfica foi, na prática, um momento de extrema vulnerabilidade. Cartões SD, pendrives e discos rígidos externos eram as formas de armazenamento preferidas na década de 2000 Getty Images via BBC "[Os consumidores] não tinham consciência do que não sabiam", afirma Cheryl DiFrank, fundadora da My Memory File, empresa que ajuda clientes a organizar bibliotecas de fotos digitais. "A maioria de nós não dedica tempo para compreender de fato as novas tecnologias. Simplesmente descobrimos como usá-las para atender às nossas necessidades imediatas... e resolvemos o resto depois." Segundo DiFrank, na época as pessoas não tinham consciência de que não conseguiriam "resolver o resto mais tarde". A memória do consumidor médio estava espalhada de forma precária por uma ampla gama de tecnologias portáteis de primeira geração, vulneráveis a perdas, furtos, vírus e à obsolescência: câmeras, cartões SD, discos rígidos, pendrives, câmeras Flip Cam, CDs e um emaranhado de cabos USB que funcionavam com alguns dispositivos, mas não com outros. Ao mesmo tempo, os laptops começaram a superar os computadores de mesa pela primeira vez na história. As pessoas passaram a armazenar e visualizar fotos apenas nesses aparelhos, que, infelizmente, também eram mais fáceis de quebrar ou perder. As vendas de câmeras digitais dispararam em 2005, atingiram o pico em 2010 e depois despencaram, segundo a Associação de Produtos de Câmera e Imagem. O iPhone da Apple foi lançado em 2007, e os telefones celulares logo revolucionaram por completo a então nascente explosão da fotografia digital. Os consumidores rapidamente adotaram a nova tendência fotográfica, muitas vezes sem se deter em proteger as fotos que já haviam feito. O 'buraco negro' A dor de perder fotos é algo pessoal para Cathi Nelson. Em 2009, seu computador e o disco rígido externo de backup foram roubados de sua casa. Como na época ainda não havia serviços de armazenamento em nuvem acessíveis, ela perdeu para sempre grande parte das memórias de sua família. Ironicamente, Nelson agora ganha a vida ajudando outras pessoas a recuperarem suas fotos perdidas. Naquele mesmo ano, Nelson fundou a organização The Photo Manager, que reúne profissionais especializados em organizar acervos de fotos digitais. Naquela época, as coleções de fotos já estavam tão desorganizadas que havia uma enorme demanda por ajuda profissional, diz ela. "As pessoas estão sobrecarregadas pelas opções, pela tecnologia e pela quantidade de dados", escreveu Nelson em um relatório técnico sobre o problema. Os membros da Photo Manager estão constantemente ajudando seus clientes com o "buraco negro" digital de 2005-2010. "Vejo isso repetidamente, essa coisa toda do 'buraco negro' digital", diz Caroline Gunter, integrante do grupo. "Houve um período, do início dos anos 2000 até 2013, em que era muito difícil para as pessoas se organizarem e muitas fotos acabaram se perdendo." Nelson, Gunter e outros membros da organização contam que recuperam imagens pixeladas de bebês feitas em celulares Nokia com teclado físico, resgatam fotos armazenadas em CDs e enfrentam o atendimento ao cliente de sites de álbuns online, como Snapfish ou Shutterfly. "Nossos membros sempre dizem que este é o único trabalho que fazem em que as pessoas choram quando recebem tudo de volta", afirma Nelson. Ao mesmo tempo, ocorreu outra mudança radical: a livre troca de fotos online. Não só tínhamos a capacidade de gerar milhões de fotos, como também podíamos compartilhá-las com toda a humanidade, de uma forma que parecia muito mais permanente do que realmente era. Em 2006, a plataforma de redes sociais MySpace era o site mais popular dos Estados Unidos e, para muitos, tornou-se o serviço preferido para compartilhar e armazenar fotos. Seu reinado, porém, durou pouco. O Facebook foi lançado em 2004 e, em 2012, já contava com mais de 1 bilhão de usuários. O MySpace logo caiu no esquecimento, deixando para trás inúmeras fotos e outras lembranças digitais. Em 2019, o MySpace anunciou que 12 anos de dados haviam sido apagados devido a uma falha acidental no servidor. A empresa afirmou que "todas as fotos, vídeos e arquivos de áudio" publicados antes de 2016 foram perdidos para sempre — toda uma geração de imagens perdida no tempo. No entanto, o MySpace não era o único centro de armazenamento de fotos. Empresas como a Kodak, a Shutterfly, a Snapfish, a rede de farmácias Walgreens e muitas outras empresas também investiram em serviços de fotos online. Os clientes recebiam galerias de fotos online gratuitas, e as empresas podiam gerar receita com impressões e brindes. Inicialmente, o modelo foi um sucesso estrondoso. A Shutterfly, por exemplo, abriu seu capital em 2006 com uma oferta pública inicial de grande repercussão, que arrecadou US$ 87 milhões (aproximadamente R$ 430 milhões). Perdidas para sempre O restante do que ocorreu ficou para os livros de história e para os estudos de caso das escolas de negócios. A Kodak, por exemplo, entrou em processo de falência — embora a empresa tenha ressurgido anos depois. A Shutterfly adquiriu todas as fotos da Galeria Kodak EasyShare, mas minha experiência pessoal mostra que isso não foi uma boa notícia para minhas imagens. Para transferir as fotos da Kodak EasyShare para a Shutterfly, era necessário vincular as duas contas — uma tarefa que nunca concluí, apesar dos vários e-mails enviados pela Shutterfly me incentivando a fazê-lo. Os e-mails de marketing da empresa prometiam aos clientes que as fotos jamais seriam apagadas. Algum tempo depois, porém, ao acessar minha conta, descobri que as imagens estavam arquivadas e inacessíveis. Um porta-voz da Shutterfly afirmou que minha história é conhecida e que a empresa fez todo o possível para auxiliar os clientes na transição para a Kodak. No entanto, infelizmente, algumas fotos se tornaram irrecuperáveis com o tempo. A Kodak lançou muitos modelos de câmeras digitais nas décadas de 1990 e 2000 Getty Images via BBC A Shutterfly ainda mantém parte dessas imagens, mas a empresa não as libera. Segundo um porta-voz, não é possível acessar, baixar ou compartilhar fotos armazenadas na Shutterfly a menos que se faça uma compra a cada 18 meses. Posso usar essas fotos para criar um produto como um calendário fotográfico, que a Shutterfly vende com prazer, mas não consigo acessar meus arquivos a menos que faça compras regulares. É quase como se minhas memórias estivessem sido sequestradas. "O que as pessoas não compreendem é que um dos maiores custos dos negócios online é o armazenamento", afirma Karen North, professora da Escola de Comunicação Annenberg da Universidade do Sul da Califórnia (Estados Unidos). "Havia tanto entusiasmo com as novas tecnologias que não se deu atenção real — muito menos atenção pública — à necessidade de um modelo de negócios sustentável." Na década de 2000, o custo do armazenamento digital era consideravelmente maior do que é hoje. O armazenamento em nuvem externa para as empresas estava apenas começando a surgir naquela época, e muitas empresas precisavam construir e manter seus próprios servidores, o que era um gasto enorme. Os consumidores produziam milhões de fotos digitais, mas, a longo prazo, as empresas online não conseguiam arcar com os custos de armazená-las, afirma North. "No início dos anos 2000, havia a ideia de que tudo o que fosse colocado na internet deveria ser gratuito", diz North. "Todos vivíamos nossas 'segundas vidas' de graça. O Gmail era gratuito. Hoje, ao olhar para trás, fica claro como uma pequena taxa de assinatura da Kodak ou de qualquer um desses sites poderia ter protegido nossas lembranças." O que aconteceu, em vez disso, foi que os consumidores passaram a pagar um preço diferente: todas aquelas fotos carregadas e compartilhadas rapidamente (mas não impressas ou armazenadas em um disco rígido externo) entre 2005 e 2010 ficaram seriamente comprometidas. "Estamos maravilhados com toda essa coisa grátis", diz Sucharita Kodali, analista de mercado varejista da Forrester Research. "Ninguém se pergunta: 'O que acontecerá daqui a cinco ou dez anos?' Perdemos completamente nossa capacidade de pensamento crítico porque fomos deslumbrados pela internet gratuita." As soluções atuais de armazenamento de fotos podem parecer mais permanentes, mas, segundo especialistas como Nelson, os riscos continuam os mesmos. "Psicologicamente, as pessoas não entendiam a diferença entre dados digitais e uma fotografia física", diz Nelson. "Pensamos que estamos vendo uma fotografia real. Mas não estamos. Estamos vendo um monte de números." Você pode segurar uma foto na mão, mas os dados estão a apenas um clique de desaparecer. Como proteger suas fotos "Tudo se resume à redundância", afirma Nelson. "Corremos um risco muito maior hoje do que quando as fotos eram simplesmente impressas." Se os consumidores dependerem demais da nuvem, o destino de suas fotos estará nas mãos de uma empresa que pode falir ou decidir apagá-las completamente. "Ou veja o meu exemplo do roubo de um disco rígido externo, que eu considerava o backup ideal", acrescenta Nelson. "É por isso que a redundância é fundamental." Especialistas em gerenciamento de imagens costumam seguir a chamada regra do 3-2-1 para o armazenamento de fotos. A lógica é manter sempre três cópias de cada imagem: duas guardadas em mídias diferentes (como a nuvem e um disco rígido externo) e uma terceira cópia armazenada em um local físico separado, como um HD deixado na casa de um parente. Essa é a melhor proteção contra falhas tecnológicas e desastres naturais. Aprendi essa lição da pior forma. Hoje, salvo todas as fotos que recebo por SMS ou e-mail no meu dispositivo, que tem backup automático no Google Fotos. Uma vez por mês, faço backup do Google Fotos no meu HD externo. Também é uma boa ideia editar suas fotos diariamente. Sentir que você tem um número administrável de fotos significa que você tem mais chances de estar no controle. "O volume [de fotos] atualmente é insano", diz Gunter. "A seleção de fotos é o que está causando problemas para as pessoas, porque elas não têm tempo. Elas simplesmente continuam acumulando bagunça." No meu aniversário de 40 anos, recebi alguns tesouros que nunca tinha visto antes. Havia uma foto minha com o cabelo incrivelmente curto; o futon estranho que não conseguimos vender e acabamos deixando na calçada; os azulejos de um banheiro que já não existe; bolsas enormes e desnecessárias. Encontrei até um vídeo granulado do meu cachorro, gravado com um celular antigo, no qual uma amiga diz estar apaixonada por "um cara qualquer" — o mesmo cara com quem ela se casou 15 anos depois. Há algo que hoje sabemos e que naquela época não sabíamos: as redes sociais, ou qualquer serviço online, podem não ser guardiãs confiáveis de nossas fotografias. Cabe a nós assumir a responsabilidade real por nossas memórias e reduzir os riscos envolvidos.