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PM que agrediu mulher com soco é absolvido em tribunal militar; 'ignoraram o depoimento da vítima', diz promotor

PMs são afastados das ruas após vídeo mostrar mulher levando soco em abordagem O policial militar que agrediu uma mulher com um soco em outubro de 2024 em Ca...

PM que agrediu mulher com soco é absolvido em tribunal militar; 'ignoraram o depoimento da vítima', diz promotor
PM que agrediu mulher com soco é absolvido em tribunal militar; 'ignoraram o depoimento da vítima', diz promotor (Foto: Reprodução)

PMs são afastados das ruas após vídeo mostrar mulher levando soco em abordagem O policial militar que agrediu uma mulher com um soco em outubro de 2024 em Campinas foi julgado nesta quarta-feira (20) e teve condenação parcial. Leonardo Aparecido Martins Goulart, que já havia sido afastado das ruas pela corporação, foi condenado a seis meses de detenção em regime aberto pelo crime de lesão corporal dolosa. No entanto, o Tribunal de Justiça Militar absolveu o réu da acusação de violência arbitrária por maioria de votos. O Ministério Público afirmou ,que irá recorrer da decisão. A agressão aconteceu em 21 de outubro do ano passado e foi flagrada por um vídeo, enviado à EPTV, afiliada à TV Globo. Nas imagens, é possível ver o momento em que três policiais cercam a dona de casa e Gourlat desfere um soco no rosto da vítima, que cai no chão [assista ao vídeo acima]. Baixe o app do g1 para ver notícias da região de Campinas em tempo real e de graça 📲 Segundo o promotor de Justiça Marcel de Bianco Cestaro, a abolvição do policial pelo Tribunal Militar de Justiça é "desarrazoada", está "divorciada da prova dos autos" e ainda ignora o depoimento da vítima. "O entendimento é absolutamente divorciado da prova dos autos, porque, os indivíduos que votaram pela absolução ignoraram o depoimento da vítima, que é uma mulher. Eles não levaram em conta, né? E o CNJ tem uma resolução sobre a necessidade do julgamento sobre a perspectiva de gênero", argumenta o promotor de Justiça. A advogada da vítima, Thaís Cremasco, disse que a mulher sofreu machismo institucional e que confirmou o depoimento do promotor ao dizer que o protocolo para julgamentos com perspectiva de gênero não foi respeitado [leia abaixo]. O g1 tentou contato com a defesa do policial, mas, até a publicação desta reportagem, não obteve retorno. Crimes e julgamento O PM Leonardo Aparecido Martins Goulart foi acusado de dois crimes, julgados em tribunais distintos: Lesão corporal dolosa: ato de causar dano físico ou psicológico a outra pessoa com a intenção de causar esse dano. Trata-se de um crime contra a pessoa, julgado pelo juiz de Direito, que condenou o PM à pena de 6 meses de detenção em regime aberto, atendendo ao pedido do Ministério Público. A defesa pode recorrer. Violência arbitrária: crime previsto no Código Penal Brasileiro (Art. 322), no qual um funcionário público, no exercício de sua função ou a pretexto de exercê-la, pratica violência ou coação sobre alguém, de forma indevida e sem base legal. O ato caracteriza abuso de poder e violação de direitos fundamentais, com a pena de detenção de seis meses a três anos.Trata-se de um crime contra a administração, que é julgado pelo Conselho de Justiça, composto pelo juiz de Direito e mais quatro oficiais da Polícia Militar. Por esse crime, a maioria do conselho absolveu o PM por falta de provas (3 votos contra 2). Em nota, o Tribunal de Justiça Militar justificou a falta de provas sob o argumento de que "as imagens apresentadas como prova não estavam íntegras, havendo trechos interrompidos". A informação é contestada pela acusão de que diz as imagens são claras. O Ministério Público informou, em nota, que "vai recorrer da decisão para que o PM seja condenado em segunda instância pelos dois crimes". "As imagens constantes dos autos são claras a demonstrar a violência arbitrária e inadmissível praticada por um PM em serviço contra uma mulher desarmada. O MP vai acompanhar o julgamento em segunda instância", afirmou o MP . Na opinião de Marcel de Bianco Cestaro, promotor de Justiça, o tribunal na 2ª instância irá acatar a decisão do Ministério Público e condenar o policial pelos dois crimes. Machismo institucional A acusação afirma que o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero não foi aplicado. Mas o que é este protocolo? Segundo Maíra Recchia, presidente da Comissão das Mulheres Advogadas da OAB-SP, o protocolo surgiu a partir da constatação de que "as mesmas disparidades enfrentadas pelas mulheres na sociedade — como violência, assédio e desigualdade no trabalho — se reproduziam também nos processos judiciais". Para enfrentar essa realidade, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em 2021 uma cartilha orientando magistrados a aplicar essa perspectiva em casos em que mulheres estão no centro das demandas. Inicialmente, o documento tinha caráter apenas de recomendação. No entanto, como muitos julgadores não o aplicavam, em 2023 o CNJ transformou a cartilha em uma obrigação. Desde então, todos os magistrados devem adotar o protocolo, que também passou a incluir a perspectiva de raça, com o objetivo de impedir que estereótipos e preconceitos influenciem as decisões judiciais. A medida foi impulsionada após uma condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, em um caso de feminicídio que permaneceu nove anos sem responsabilização. Na ocasião, a corte determinou que o país deveria criar ferramentas para evitar que investigações e julgamentos reproduzissem desigualdades de gênero. Para Maíra, o protocolo representa um avanço civilizatório. "Isso não é um benefício, é um julgamento justo, para que estereótipos e preconceitos não se reproduzam no processo", explica Recchia. Pedido de indenização Além do processo criminal, os defensores da vítima patrocinaram, em maio, uma ação de indeniação da vítima contra o Estado. "Ela vive num estado de terror. Os policiais chamaram a filha dela pedindo pra apagar as câmeras, inclusive dizendo que sabia onde ela morava e que ela teria que tomar cuidado. Então, dali pra frente, a saúde mental dela só se prejudicou. Ela sofreu ameaça", relata Cremasco. Além do abalo psicológico, a vítima carrega sequelas do golpe desfeiro contra seu rosto, com uma algema. "Hoje ela tem muito medo, porque ela mora em rua de bairro, né? E ela ainda trata, né, o problema do rosto, ela sente muita dor, quebrou o osso", explica a advogada. Na ação indenizatória, foi pedido dano moral, dano material (devido aos gastos com saúde e não conseguir trabalhar) e dano estético (por conta da cicatriz). Relembre o caso O caso aconteceu no dia 21 outubro no bairro Jardim Santa Amália, mas o vídeo foi divulgado pela EPTV no dia 9 de dezembro de 2024. Segundo a vítima, os policiais foram acionados após uma discussão com a filha. "O policial logo no começo já foi agressivo comigo com as palavras. Falou que se eu não ficasse quieta, ele iria quebrar minha cara. Ele me deu voz de prisão e eu perguntei o porquê. Ele disse 'a senhora fica quieta ou eu vou quebrar sua cara'. Nesse momento, comecei a falar alto para meus vizinhos escutarem e ficarem atentos, porque eu senti medo dele nessa hora", contou a mulher, que preferiu não ser identificada. A mulher contou que no momento da abordagem, o policial militar segurava algemas quando desferiu o soco na boca. As imagens da câmera de segurança mostram que o homem levou a mão ao cinto e pegou um objeto antes de agredir a vítima. “Depois de ele bater, ele jogou a minha cabeça no chão. Na hora eu desmaiei, eu não enxergava, não ouvia. Caí no chão desmaiada. Meus vizinhos pediram para chamar o Samu para me socorrer, eles não deixaram, me colocaram algemada dentro da viatura e me levaram para o pronto-socorro”, diz Violência e ameaças A mulher contou que os policiais não deixaram os vizinhos chamarem o Samu para prestar auxílio e a colocaram algemada em uma viatura. Os agentes a levaram para um pronto-socorro que tirou um raio-x da cabeça, mas ela não soube do resultado e foi levada para a delegacia em seguida. A mulher afirmou ter dito ao policial que não denunciaria a agressão por medo, mas que “Deus ia cobrar”. “Ele falou 'você pode denunciar na Corregedoria, onde você quiser, porque eu sei onde você mora'. E isso me deixou com mais medo ainda”, lembrou. Dona de casa é agredida por PM durante abordagem em Campinas Reprodução/EPTV BO feito pelos policiais A vítima inicialmente não registrou Boletim de Ocorrência (BO) contra os policiais, mas os policiais relataram no BO que a mulher se negou a ir à delegacia, “além de ter dito que os policiais eram de merda e lixo”. Também foi relatado que a moradora “tentou desferir um soco no rosto do policial, o qual revidou com um golpe contundente, com o uso moderado da força, para conter a resistência e algemá-la”. O que disseram as autoridades? Por medo das ameaças recebidas, a mulher preferiu não se identificar. No entanto, a advogada da vítima informou faria denúncia do caso na Corregedoria da Polícia Militar e também registraria um novo BO com a versão da mulher agredida. Foi instaurado um Inquérito Policial Militar (IPM) pela Corregedoria para investigar o caso, que afirmou que "não compactua com desvios de conduta dos seus agentes". O coronel Adriano Augusto Leão, comandante do Comando de Policiamento do Interior 2 (CPI-2), explicou que além dos depoimentos dos policiais e de outras pessoas como vizinhos, foi requisitada a íntegra das imagens para serem analisadas. Câmera flagra momento em que PM dá soco no rosto de dona de casa no interior de SP Reprodução/EPTV VÍDEOS: tudo sobre Campinas e região U Veja mais notícias sobre a região no g1 Campinas